Seguidores

domingo, 7 de junho de 2009

A tristeza permitida

A tristeza permitida

*Se eu disser pra você que hoje acordei triste, que foi difícil sair da cama, mesmo sabendo que o sol estava se exibindo lá fora e o céu convidava para a farra de viver, mesmo sabendo que havia muitas providências a tomar, acordei triste e tive preguiça de cumprir os rituais que normalmente faço sem nem prestar atenção no que estou sentindo, como tomar banho, colocar uma roupa, ir pro computador, sair para compras e reuniões - se eu disser que foi assim, o que você me diz?


Se eu lhe disser que hoje não foi um dia como os outros, que não encontrei energia nem para sentir culpa pela minha letargia, que hoje levantei devagar a tarde e que não tive vontade de nada, você vai reagir como?


Você vai dizer "te anima" e me recomendar um antidepressivo, ou vai dizer que tem gente vivendo coisas muito mais graves do que eu (mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza), vai dizer para eu colocar uma roupa leve, ouvir uma música revigorante e voltar a ser aquela que sempre fui, velha de guerra.


Você vai fazer isso porque gosta de mim, mas também porque é mais um que não tolera tristeza: nem a minha, nem a sua, nem a de ninguém. Tristeza é considerada uma anomalia do humor, uma doença contagiosa, que é melhor eliminar desde o primeiro sintoma. Não sorriu hoje? Medicamento. Sentiu uma vontade de chorar à toa? Gravíssimo, telefone já para o seu psiquiatra.


A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro da nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido.


Depressão é coisa muito mais séria, contínua e complexa.


Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente - as razões têm essa mania de serem discretas.


"Eu não sei o que meu corpo abriga/ nestas noites quentes de verão/ e não importa que mil raios partam/ qualquer sentido vago de razão/ eu ando tão down..."


Lembra da música? Cazuza ainda dizia, lá no meio dos versos, que pega mal sofrer. Pois é, pega mal. Melhor sair pra balada, melhor forçar um sorriso, melhor dizer que está tudo bem, melhor desamarrar a cara. "Não quero te ver triste assim", sussurrava Roberto Carlos em meio a outra música. Todos cantam a tristeza, mas poucos a enfrentam de fato.


Os esforços não são para compreendê-la, e sim para disfarçá-la, sufocá-la, ela que, humilde, só quer usufruir do seu direito de existir, de assegurar o seu espaço nesta sociedade que exalta apenas o oba-oba e a verborragia, e que desconfia de quem está calado demais. Claro que é melhor ser alegre que ser triste (agora é Vinicius), mas melhor mesmo é ninguém privar você de sentir o que for.

Em tempo: na maioria das vezes, é a gente mesmo que não se permite estar alguns degraus abaixo da euforia.Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip-hop, e nem por isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor - até que venha a próxima, normais que somos.


As crônicas da Martha Medeiros são instigantes e passam todos os tipos de sentimentos: amor, raiva, compaixão ...

[Pág 21, Doidas e Santas]

4 comentários:

  1. Obrigado Débora, pela visita ao meu blog e pelos comentários gentís.
    Um abraço e uma linda semana para você

    ResponderExcluir
  2. Realmente. Adoro Martha Medeiros!

    beijos.

    ResponderExcluir
  3. OI Débora...fico feliz de ser merecedor do seu acompanhamento ao meu blog.

    Escolhi esse seu post para comentar por eu também não suportar essa coisa de a gente ter que estar como convém aos outros. Os outros convencionam que a introspecção é cara feia, e que cara feia ou é fome, dor de cotovelo ou porque tivemos sonhos com o demo.

    Não percebem que a sombra é apenas um quantidade diferente de luminosidade e a própria impressão acerca da sombra difere de acordo com os olhos que a contemplam.

    Sombra não é necessariamente tristeza, nem mesmo a luz é propriamente alegria e plenitude, pois pode não ser nada além de ufanismo e vaidade. Algumas são "alegres" demais. Elas simplesmente podem ser alegres, ou então fúteis demais. Tudo é relativo nesse mundo, e luz e sombra são conceitos (faces) da mesma realidade.

    Bjs Débora!!

    ResponderExcluir
  4. vi esse livro, mas acabei levando 'ele simplesmente não está afim de você'. mas comprar ele ainda esse mês!

    ResponderExcluir

Vejo que veio me visitar e fico muito feliz. Então deixe sua marquinha comentando.
Beijo doce